Posicionamento da Sociedade Civil sobre o Despacho Ministerial nº39/GM/2003 do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano
Introdução
A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, a Carta Africana sobre os Direitos e Bem- estar da Criança e a Constituição da República de Moçambique estabelecem que, toda a criança tem o direito à educação sem qualquer tipo de discriminação.
No entanto, para as raparigas, estes direitos têm sido sistematicamente violados, o que impede o seu acesso integral à educação. Como resultado da violência que ocorre contra as raparigas em suas casas, na comunidade e nas instituições de ensino e formação, muitas delas não têm acesso a essas instituições ou não conseguem completar o ensino primário.
Em Moçambique, apesar de 52% da população ser constituída por mulheres, apenas 47,3% do total das crianças matriculadas na 1ª classe são raparigas e, destas, cerca de 37% desistem antes de completar o ensino primário (PEE, 2012-2016)[1]. É importante que se perceba que a questão da violência contra as meninas/raparigas deve ser vista num contexto mais amplo de discriminação e violência baseada no género.
Moçambique é um dos países da região com a maior percentagem de desistência de raparigas devido à gravidez precoce, chegando a 39 % no ensino secundário (Savi,2016)[2]. Algumas das causas da gravidez precoce são as práticas sociais ligadas às uniões prematuras forçadas durante a infância (MISAU, 2016, “Saúde Escolar do Adolescente”)[3] e fruto da violência sexual, muitas vezes cometida por agentes do Estado, incluindo do sector da Educação. É neste contexto que surgiu o Despacho nº 39/GM/2003.
Problema
Em 2003, o MINEDH aprovou o Despacho Ministerial n° 39/GM/2003 que, dentre outras medidas, estabelece que toda a aluna grávida deve ser transferida para o período nocturno. Esta medida foi tomada com o intuito de reduzir o número de alunas grávidas no período diurno nas escolas, assim como de “estabelecer um ambiente escolar saudável e seguro”. No entanto, ao aprovar e implementar este Despacho, o MINEDH não resolve o problema da violência praticada contra as meninas/raparigas, mas está a privá-las do direito à educação, para além de contrariar a Constituição da República de Moçambique.
O Perfil de Género aprovado pelo Ministério do Género Criança e Acção Social (2016)[4] e a Estratégia de Género da Educação e Desenvolvimento Humano[5], deixam claro que o Despacho não protege os direitos das meninas/raparigas, pois o mesmo ignora as desigualdades de poder na origem da maioria das gravidezes precoces no país. Além disso, as instituições de ensino não dispõem de mecanismos de protecção das vítimas de abuso.
Para os casos de raparigas/meninas que frequentam o período nocturno, estas, ficam expostas a problemas de segurança, relacionadas com longas caminhadas nocturnas, ficando mais vulneráveis a potenciais situações de violência e abuso. É um grande desafio para uma menina/rapariga grávida devido a um maior cansaço e dificuldades de transporte nocturno, o que faz com que muitas desistam de estudar. Ao analisar-se a questão da gravidez não se tem em conta que ela é uma consequência e não uma causa.
Impacto do Despacho 39/GM/2003 na vida das alunas grávidas
O Despacho contribui para: (i) O aumento do risco de incidência de violência e abuso das raparigas grávidas que frequentam o período nocturno; (ii) O abandono escolar por parte da maioria das meninas/raparigas; (iii) Torna a mãe adolescente mais vulnerável à dependência económica, ao desemprego e à reprodução do ciclo de pobreza; (iv) Limita as possibilidades de desenvolvimento pessoal, familiar, comunitário e do país.
É neste contexto que a Sociedade Civil moçambicana, representada pelo Movimento de Educação Para Todos (MEPT), propõe que o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH) revogue o Despacho nº 39/GM/2003.
Garantir o direito à educação e a assistência às alunas grávidas, é garantir o futuro de duas gerações e é dever de todos e todas!
[1] Ministério da Educação. (2012). “Plano Estratégico da Educação 2012-2016”. Maputo, República de Moçambique.
[2] SAVI. Francesca. (2018). “In the making: constructing in-school pregnancy in Mozambique, Gender and Education”. 30:4, 494-512
[3] Ministério da Saúde. (2016). “Saúde Escolar do Adolescente”. Maputo, Republica de Moçambique.
[4] Ministério do Género, Criança e Accão Social. (2016). “O Perfil de Género de Moçambique”. Maputo, Republica de Moçambique.
[5] Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano. (2016). “Estratégia de Género do Sector da Educação e Desenvolvimento Humano 2016-2020. Maputo, Republica de Moçambique.